sábado, 12 de novembro de 2011



Andando pela Av. Paulista hoje, vi pela primeira vez os cartazes poéticos e filosóficos de Samuel Salles, um senhor de 53 anos, ex-cobrador de ônibus e porteiro, auto intitulado poeta e pensador.
Dono de uma bela caligrafia, enfeita calçadas feias com seus pensamentos admiráveis.
É muito interessante ver assim uma impressão tão viva de alguém, expressando com um pouco mais de vontade e um pouco menos de ajuda sua visão sobre o que o cerca.
Quando passei em frente, já havia uma infinidade de cartazes brancos, coloridos com a tinta de pincéis atômicos, carregados da profundidade do que habita dentro do homem.
Feliz é esse Samuel Salles, que tem a capacidade de fazer o que bem entende sem se preocupar com o que o resto do mundo quer os se esse se importa.
Abaixo, três dos vários cartazes do autor. Não sei se são os mais interessantes, mas como estava desprovida de máquina fotográfica na hora (coisa chata de acontecer), foram essas as mais interessantes que consegui encontrar.
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      - Não sei se quero dar seguimento a esse livro louco. Ele pertence a esse mundo louco, vem de gente louca, gente alucinada e incompreendida.
      A luz apagou na cozinha. Veio em passos ruidosos, meio abafados, com os pés descalços. Os cachos soltos se amaranhavam naquilo que ela chamava de cabelo. Dois copos na mão.
      - Você sempre quer parar de escrever esse livro, mas nunca para. Talvez realmente devesse parar.
      Entregou o copo ao homem encostado em seu sofá.
      - Você não entende nada do que eu digo. Não quero parar, disse que não sei se quero seguir.
      - E não seguir não é a mesma coisa que parar?
      - Não. Parar é bem diferente. Parar é brusco, parar é um fim.
      - Não seguir também. - Ainda encostado, cruzou os braços, com certo ar de quem sabe das coisas.
      - Não! Não seguir é uma pausa. É um simples intervalo temporal. - Com seus jeans desbotados, entregou uma das taças de líquido ignorado que segurava nas mãos morenas a ele.
      - Você fala como se realmente soubesse sobre o tempo.
      - Com certeza sei mais que você.
      - Sabe mesmo, e eu sei que sabe.
      Eles riram. Era bom rir junto.
      Foi até a janela, abriu. Parou no parapeito e ficou olhando a paisagem daquele apartamento no 15º andar.
      Tudo parecia tão longe.
      - O que é que você tem heim?
      - Não sei, acho que é falta de estrela. Nunca tem estrela nessa cidade cinza. É por isso que eu sou louca. E você também.
      - Eu não sou louco. Quem é louca é você, falando aqui com alguém que você criou.
      - Eu criei você?
      - Criou. No auge da sua imaginação.
      - Ah...
      - Que foi?
      - Achei que você é quem tinha se criado. Dentro da minha cabeça, é claro. Mas achei que você já existia, antes de eu saber da sua existência.
      - Eu sei.
      Silêncio.
      - Olha! Tem uma estrela ali!
      - Onde? Cadê?
      - Ali olha, bem ali! - Disse ela com o dedo em riste, apontando um pontinho brilhante no céu escuro
      - Não é estrela não.. Será?
      - É sim, olha! Olha ali, bem ali. Tá brilhando!
      - Nem tudo que reluz é ouro.
      - Eu disse estrela.
      - Tá certo. Mas não sei se é não.
      - Tô dizendo que é! Olha, faz tanto tempo que eu não vejo estrela que até..
      A estrela começou a ficar maior. E luzes coloridas piscavam juntamente com  o brilho branco.
      - Mas que... Ah, não é estrela não.
      - É só um avião meu bem.
      O avião-estrela passou. Cruzou o céu ao longo de sua face profunda e vincada.
      - É só um avião, como todas as outras coisas são só o que são. Vai, bebe que passa.