terça-feira, 21 de junho de 2011

Quando eu tinha oito anos conheci um senhor chamado Carlos Alberto. Foi num desses cursos de Permacultura e seus derivados que minha mãe se metia a ir nas minúsculas cidades de Goiás.
Devia ter uns sessenta e poucos anos, cabelos brancos, barba grisalha. Um rosto suave e reconfortante. Era um homem grande, daqueles que passam confiança logo quando você os olha pela primeira vez, mas qualquer homem é grande, considerando a altura que eu tinha. Era daqueles que não tinham mal em sua composição humana.
Ficamos num alojamento, o dele do lado do nosso. 
Criança é curiosa e desinibida. Achei ele interessante.
Parei perto de sua porta um dia, e fiquei olhando meio escondida, disfarçando, não sei bem.
Enquanto desfazia as malas, ele olhou, fiquei encarando. Acho que ri de vergonha. 
Talvez ele não tenha visto ameaça em mim, talvez também ficou curioso, talvez fosse só uma gentileza num momento embaraçoso quando uma criança de oito anos de idade para em frente a porta do seu quarto e fica olhando você, mas ele disse, assim que me viu: "Pode entrar" e sorriu, como se estivesse me esperando.

Não sei bem, o que se passou, como se passou. Só sei que fiz um grande amigo.
Antes de ir embora ele me deu um livro dele com poemas de Mario Quintana chamado Quintana de Bolso, uma daquelas edições pra levar em viagem e ler quando quiser.
Acompanhei-o até um determinado ponto do caminho, onde ele pegaria sua carona para a cidade. Levei uma malinha sua pequena, o quanto que podia carregar. Não queria que ele fosse embora. Os olhos lacrimejavam no canto, mas não queria chorar. Devo ter dito alguma coisa em relação a isso, mas ele foi. Me deu um abraço bom. E como velhos amigos nos despedimos. Ele foi, eu fiquei vendo ele indo pela estrada de terra, o carro levantando poeira árida.
Não demorou muito pra que eu partisse também e experimentasse ler alguns dos versos de Quintana.
Enjoei, guardei, esqueci . Recentemente, na tralha das memórias perdidas nebulosas pelo tempo o encontrei no coração e descobri que ele nunca tinha saído de lá. Um amigo meio vô, bonzinho. Mas que me tratava como igual. A memória das cenas é vaga, só lembro da sensação, do aperto no coração de ver ele ir embora, como um parente querido, um amigo esperado. Não nos vimos desde então, mas é como se ele ainda fosse presente, no livrinho gasto de poesias tão bonitas.