quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Pequeno conto












Eram três da manhã. O vento frio soprava na janela, mas esse não era o fator determinante para ela.
Toda a confusão de pensamentos tão intensa, a atordoava, permeando por entre os poros de sua alma.
Era tão incerto o tempo exato. Porém nada o que houvesse mudaria suas decisões. Não agora.
Atendia pelo nome de Luiza, contava dezesseis anos. Mais madura do que deveria ser, entretanto, compreendia as coisas mais sublimes da vida.
Era moça de família simples de classe média, ela sabia disso. Porém tal Luiza lutava pelos ideais tão seus. Era sonhadora, ela também sabia disso, mas acreditava que eram possíveis, os sonhos que tinha.
Se encontrava incompreendida e no louvor de sua mocidade era ainda chamada de tola.
"Tu não sabes nada Luiza, não sabe das coisas da vida, tu é menina" disse-lhe a mãe, quando uma vez ocorreu de contar-lhe suas ideias tão bonitas.
Mas era sozinha, assim se sentia no mundo.
Tão só como sempre fora.
Mas se engava a mãe, quanto a suposta "menina". Era muito mais mulher, que a mulher que lhe havia concedido a vida. Era moça sim, mas só de corpo. A alma ainda sofria das angústias da juventude, mas era ponderada. Era forte, mas não o bastante. Toda vez que tentava mostrar ser melhor, era abafada, tampada, comprimida.
Era filha de Atenas, uma guerreira. Mas era suprimida pelos outros e por si mesma.
Não era bonita, mas também não era feia. Era charmosa no todo, muito charmosa.
Era isso que chamava atenção nela, com sua postura de guerreira. Encantamento total.
Mas como alma velha, estava cansada dos suplícios, das angústias, dos amores, da incompreensão.
Era faminta por mudança, e pelo saber. Isso era muito.
A ideia do novo a inebriava, era o sonho buscado eternamente, sem fim.
Fantasiava no seu próprio mundo, o novo, eternamente.
Queria fugir, ir para qualquer outro lugar. Onde fosse entendida e aceita, e acima de tudo, não fosse criança.
Seria infinito o desejo, se ela não metesse na cabeça realizá-lo.
E foi naquela madrugada fatídica, onde a janela do quarto estava aberta, e deixava o ar frio da noite entrar e gelar suas faces.
Sentia pena de deixar para trás tudo aquilo, amava tanto aqueles que a reduziam a nada. Viu que ia sentir falta das conversas acompanhadas de café, às onze da noite com a mãe, e do cheiro característico da bebida.
Do abraço caloroso do pai, que a acalmava quando criança, e mesmo depois.
Era feliz.
Mas ia embora. Estava decidido.
Não aguentava mais esperar. Precisava daquilo e precisava agora! Admitia que fugia, mas para ser outra de novo e de novo, quantas vezes fosse preciso. Até se encontrar. Ai pararia. E envelheceria.
Até morrer.
Ou morreria até envelhecer. Aos poucos, calmamente, até que fosse suprimida novamente, mas dessa vez, ao pó. Lembrou que tinha horror de pensar em morrer sozinha. E onde estava ela não seria sozinha nunca.
Mas ia embora, ela precisava disso. Já estava feito.
Era só a janela que a impedia. A escada encostada no batente, era só descer.
Deixou tudo como estava. Levaria pouca coisa. O caderno de anotações, um casaco de frio, e algumas notas para a passagem de trem e para comida. Não queria fotos mas levou uma, que preferiu não mostrar nunca a ninguém, por tanto, não é da minha parte dizer o assunto do retrato.
Ia ser a mulher que sempre mostrou ser.
Iria juntar um dinheiro e comprar uma casa. Ou ir viajando pelo mundo até dizer chega.
Mas já estava amanhecendo, tinha que ser depressa.
Precisava ir. Logo alguém acordaria. Ela precisava ir embora, ela queria tanto fugir.
Luiza era jovem, tinha a vida pela frente, não podia ser presa assim.
Ela tinha que ir embora!


Então surgiu o primeiro raio de luz. E ela viu.
O maldito sol nascia mais uma vez.
O pai acordava enquanto a mãe dormia ainda mais um pouco. Era vivo o monótono domingo.
E a angústia de outrora dava lugar ao desgosto e o contentamento. E a mágoa por não ter pulado naquele instante.
Não fora.
Decidiu ficar. E viver uma vida conformada.
E sonhar de novo, com um futuro que nunca iria ser seu, o qual começava quando ela pulava a janela.